Entende o Superior Tribunal de Justiça que obrigar o consumidor a adquirir nova passagem aérea para efetuar a viagem no mesmo trecho e hora marcados, a despeito de já ter efetuado o pagamento, configura obrigação abusiva, colocando o consumidor em desvantagem exagerada, sendo, ainda, incompatível com a boa fé objetiva, que deve reger as relações contratuais nos termos do art. 51, IV, CDC.
Outrossim, a cláusula contratual que autoriza o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor, incide na hipótese do art. 51, XI, CDC (que reza que são nulas de pleno direito as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente sem que igual direito seja conferido ao consumidor), bem como configura a chamada "venda casada", pois condiciona o fornecimento do serviço de transporte aéreo do "trecho de volta" à utilização do "trecho de ida" (CDC, art. 39, I):
Art. 39, CDC: É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
I- condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos
Assim ainda pondera o Ministro Relator Marco Aurélio Bellizze:
Sob qualquer ângulo analisado, é de se concluir que a prática de cancelar a passagem de volta, em razão da não utilização do trecho de ida, está em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor, de envergadura constitucional, máxime porque a própria Carta Magna estabelece como um dos princípios da ordem econômica justamente a defesa do Consumidor.
Ademais, ainda que a aquisição dos bilhetes de "ida e volta" seja mais barata, há que se levar em consideração, que em verdade, são feitas duas compras, isto é, uma passagem de ida e uma passagem de volta.
Assim, se o consumidor, por qualquer motivo não comparecer ao embarque no trecho de ida, deverá a empresa aérea adotar as medidas cabíveis quanto à aplicação de multa ou restrições ao valor do reembolso em relação ao respectivo bilhete, porém sem qualquer repercussão no trecho de volta, caso o consumidor não opte pelo cancelamento.
É de se reconhecer, portanto, ato ilícito cometido pelas Companhias Aéreas nestes casos, a ensejar a procedência da ação indenizatória.
Insta salientar ainda que a aludida prática comercial abusiva ultrapassa, no entender do Superior Tribunal de Justiça, o mero aborrecimento cotidiano, violando direitos ligados à tutela da dignidade humana, uma vez que acarreta severas frustrações e angústias aos consumidores, os quais, sem qualquer garantia de êxito e em cidade diversa de seu domicílio se veem obrigados a comprar nova passagem de volta, caracterizando-se, assim, a ocorrência de danos morais.
Resp 1.699.780 - SP
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